sábado, 17 de abril de 2010

PRINCÍPIOS DA FILOSFIA DO FUTURO




NECESSIDADE DE UMA REFORMA DA FILOSOFIA
(1842)

Uma filosofia que se inscreve na história da filosofia e só indirectamente, por meio dela, se relaciona com a história da humanidade é algo inteiramente diverso de uma filosofia que é imediatamente a história da humanidade.

Se encarássemos a questão da necessidade de uma transformação apenas do ponto de vista filosófico, encará-la-íamos de um modo demasiado restrito, mais, permanaceríamos no campo de uma banal querela de escola. Nada mais vão.

A reforma filosofia só pode ser a necessária, a verdadeira, a que corresponde à necessidade da época, da humanidade. Há certamente necessidades contrárias. Em que lado reside a verdadeira necessidade? Naquela que têm a exigência do futuro. A necessidade de conservação é apenas uma necessidade artificial, criada - é apenas reacção.

O movimento histórico só atinge um fundamento onde ele penetra no coração do homem.
O Cristianismo é negado - por razões de política, alimenta-se a este respeito, de modo intencional ou não, uma ilusão.

O Cristianismo já não corresponde nem ao homem teórico, nem ao homem prático.

A filosofia hegliana dissimulava a negação do Cristianismo sob a contradição entre representação e pensamento; aqui, todos os laços foram rejeitados.
Na origem, a religião é fogo, energia, verdade; toda a religião começa por ser estrita e incondicionalmente religiosa mas, com o tempo, esgota-se, torna-se laxa, infiel a si mesma, indiferente, submete-se à lei do acto (...) recorre-se à tradição ou à modificação do antigo livro da Lei.

Porque os homens de tal modo se apropriaram do verdadeiro (...) A negação consciente funda época nova, funda a necessidade de uma filosofia nova, franca, não mais cristã, resolutamente acristã.

Para substituir a religião, a filosofia deve introduzir em si mesma, de um modo a ela conforme, o que constitui a essência da religião.

As diferenças fundamentais da filosofia são diferenças fundamentais da humanidade. Para o lugar da fé, entrou a descrença; para o lugar da Bíblia, a razão; para o lugar da religião e da Igreja, a política; terra substitui o céu, o trabalho substitui a oração. O que é para a filosofia é resultado do pensamento, é para nós a certeza imediata. Necessitamos, pois, de um princípio conforme a esta imediatidade.
Devemos resumir num princípio supremo, num vocábulo supremo, aquilo em que quere-mos tornar-nos: só assim santificamos a nossa vida, fundamentamos a nossa tendência. Só assim nos libertamos da contradição que, presentemente, envenena o mais íntimo de nós mesmos: da contradição entre a nossa vida e o nosso pensamento e uma religião radicalmente contrária a esta vida e a este pensamento.

Confia em Deus, não no homem; dá graças a Deus e não ao homem, por conseguinte, o homem só por acidente está vinculado ao homem. Na explicação subjectiva do Estado, os homens reúnem-se pela simples razão que mão crêem em Deus algum, porque negam inconscientemente, de algum modo instintivo e prático, a sua fé religiosa. Não é a fé em Deus, mas a desconfiança em Deus que funda os Estados.

O Estado é a realidade, mas ao mesmo tempo também a refutação prática da fé religiosa. Os homens reconhecem no cristianismo uma religião que destrói a energia política dos homens.

O que o pensador, antes da consciência, tem no conhecimento, o homem prático tem-no no seu impulso. Pretende-se agora, no domínio da política, o que a Reforma quis e projectou no domínio da religião.

Se concebermos um ser diferente do homem como princípio e ser supremo, então a distinção do abstracto e do homem permanecerá a condição permanente do conhecimento deste ser; jamais chegaremos à unidade imediata conosco mesmos, com o mundo, com a realidade; reconciliamo-nos com o mundo mediante o outro, um terceiro, (...) temos um além, se já não fora de nós, pelo menos em nós; encontramo-nos sempre numa cisão entre a teoria e a prática.

O Papa, cabeça da Igreja, é homem como eu; o rei é homem como nós. Ele não pode, pois, impor ilimitadamente as suas fantasias.

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